Texto escrito por Igor Viana Ferreira
Uma das principais características da internet enquanto tecnologia é permitir a rápida propagação de conteúdo com custos praticamente inexistentes. Por um lado, isso contribui para a democratização do conhecimento e para o amplo acesso à informação, trazendo um relevante potencial de desenvolvimento para atividades vitais para a sociedade (a exemplo da educação, da cultura e do jornalismo). Por outro lado, conteúdos indesejados também são divulgados no ambiente virtual com enorme facilidade. Assim, surgem na era da internet novas modalidades de crimes motivadas pelos velhos sentimentos do ódio e do ressentimento, como a pornografia de vingança (ou revenge porn, na expressão em inglês).
A pornografia de vingança é a divulgação de fotos, vídeos ou outros materiais envolvendo nudez ou atividades sexuais sem o consentimento da pessoa retratada, realizada com o objetivo de se vingar da vítima (seja em razão do término de um relacionamento afetivo entre a vítima e o criminoso, seja por qualquer outro motivo que incite o desejo de vingança do propagador do conteúdo), normalmente em ambiente virtual. Em um contexto no qual a informação trafega de forma muito rápida, as consequências sociais e psicológicas da divulgação são sentidas pela vítima de maneira bastante amplificada e quase instantânea. Uma vez que o conteúdo íntimo esteja disponível no ambiente virtual, pode ser difícil desfazer completamente o estrago. Entretanto, como veremos a seguir, existem medidas que podem, ao menos, minimizar os danos e trazer duras consequências para o propagador do material íntimo.
Com relação à minimização dos danos, é possível pedir a remoção do conteúdo íntimo aos provedores de aplicações de internet (isto é, redes sociais, sites de pornografia, dentre outros locais onde o material esteja sendo veiculado), sejam eles sediados no Brasil ou não. Aliás, a legislação brasileira optou por um procedimento simplificado para que isso seja possível: nos termos do art. 21 da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), quando há divulgação de cena de nudez ou ato sexual de caráter privado, basta que a vítima ou seu representante legal (por exemplo, seu advogado) envie uma notificação ao próprio provedor de aplicação para que ele deva remover o conteúdo, sob pena de responder subsidiariamente pelos danos causados pela violação à intimidade.
Em outras palavras, não é necessária a obtenção de uma ordem judicial para a remoção do material, como é a regra para outros tipos de conteúdo (vide art. 19 do Marco Civil da Internet). Em vez disso, ao ser notificado sobre a disponibilização não consentida de conteúdo íntimo, o provedor de aplicação de internet deve adotar medidas para tornar o material indisponível imediatamente, no âmbito e nos limites técnicos do serviço oferecido. Caso contrário, o provedor poderá ser obrigado a reparar os danos sofridos pela vítima.
Ressalta-se, todavia, a existência de condições para a validade da notificação. Conforme dispõe o parágrafo único do art. 21 do Marco Civil da Internet, para que a notificação enviada seja válida, é preciso haver a identificação específica do material a ser removido e a verificação da legitimidade para apresentar o pedido de remoção. Normalmente, a identificação do conteúdo é realizada mediante a transcrição do URL da publicação (ou seja, do link para acesso ao material), sem prejuízo da indicação de outras informações relevantes que possam auxiliar o provedor nesse sentido, como a data, o horário e o título (quando aplicável) da publicação. Já a verificação da legitimidade consiste na comprovação, por meio da apresentação de procuração, de cópias de documentos de identificação e de outros meios aptos para isso, de que aquela notificação foi enviada pela vítima ou por seu representante legal.
Por fim, quanto às consequências trazidas para o propagador do conteúdo íntimo, cabe destacar que a divulgação não consentida do material é crime previsto no art. 218-C do Código Penal. O mencionado artigo utiliza uma série de verbos, criminalizando as condutas de “oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática - (...) , sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia.” A pena prevista é a “reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.” Portanto, quando houver divulgação de material sexual ou pornográfico sem autorização da vítima, tanto a pessoa que publicou o conteúdo inicialmente quanto as pessoas que promoveram sua divulgação posterior (ou seja, quando aquele conteúdo já estava presente no ambiente virtual) podem ser penalizadas com a prisão.
No caso da pornografia de vingança, ainda é aplicável o aumento de pena previsto no §1º do artigo citado acima, segundo o qual “a pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.” Assim como nos demais crimes contra a dignidade sexual, trata-se de crime de ação penal pública incondicionada (vide art. 225 do Código Penal). Em outras palavras, não é necessário nem mesmo que a vítima apresente representação ao Ministério Público. Basta que qualquer pessoa informe o Ministério Público sobre a situação e ele terá a obrigatoriedade de solicitar as devidas investigações, após as quais, havendo indícios de autoria (evidências sobre quem cometeu o crime) e materialidade (evidências do cometimento do crime em si), o MP deverá seguir com a ação penal.
Portanto, por meio de medidas simples, é possível reduzir os danos sofridos pela vítima e reprimir a conduta de quem divulga material íntimo de forma não consensual na internet com o objetivo de se vingar. Evidentemente, as marcas geradas pela situação podem continuar a ser sentidas pela vítima por algum tempo, sendo imprescindível o adequado acompanhamento para retomada das atividades cotidianas. De qualquer maneira, além do amparo social e psicológico, a vítima pode contar com o amparo jurídico para que a situação se torne um pouco menos desalentadora.
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